MARCO TEMPORAL: A QUEM INTERESSA O NÃO RECONHECIMENTO DOS TERRITÓRIOS DOS POVOS ORIGINÁRIOS?
- Manoel Cipriano
- 19 de abr.
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Marco temporal, uma proposta para se estabelecer o momento a partir do qual se pode determinar as terras brasileiras que podem ser restituídas aos povos indígenas; uma discussão que toma como base o princípio jurídico estabelecido pela norma constitucional atualmente em vigor.
A Constituição Brasileira de 1988, ao tratar dos povos indígenas ou povos originários estabelece que
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 130, caput, CF 1988).
Ao se referir ao que se deve compreender sobre o que venha ser “terras tradicionalmente ocupadas”, o texto constitucional expressa que
São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (art. 130, § 1º, CF 1988).
A partir desta disposição constitucional tem se dado o debate sobre como estabelecer, no tempo, o marco inicial que deve ser estabelecido como referência para se determinar e reconhecer se determinada área pode ser reconhecida como terra indígena, transferindo aos originários do direito à posse e retorno à habitação e ao usufruto do território como fonte de garantia do seu bem estar.
Por um lado, há a defesa de que a demonstração de que houve vínculo direto com o território reivindicado seria o bastante para o reconhecimento de que aquela terra seja destinada aos povos indígenas a estes seja reconhecido o direito de retornar para a continuidade do viver nesta área.
Por outro lado, há os que defendem que, tendo sido reconhecida esta garantia pelas disposições constitucionais atuais, o marco a partir do qual se deve reconhecer como referência para a determinação das terras indígenas deve ser 05 de outubro de 1988, dia em foi promulgada a constituição atual.
Neste sentido, seria condição para a demarcação como terra tradicionalmente ocupada aquela em que a comunidade indígena se encontrasse sobre, em caráter permanente, nesta data, não sendo possível reconhecer terras reivindicadas por esses povos sem se encontrar na posse da terra quando da promulgação do texto constitucional.
Contudo, faz-se necessário lembrar, aqui, que uma grande quantidade de povos indígenas foi levado a deixar seus territórios, em decorrência do conflito estabelecido, desde a ocupação colonial; o que tem ocorrido no período recente seja pela expansão da produção no campo pelo agronegócio ou seja pelos projetos de exploração de barragens e pela aberturas viária de ferrovias; , hidrovias e de hidrelétricas em terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.
A construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), iniciada em 2024 e com previsão de conclusão em 2027, por exemplo, terá impacto direto sobre 24 terras indígenas nos estados de Mato Grosso e Rondônia. Dados demonstram, ainda, que na região nordestina, com um pouco mais de trinta por cento (31,2%) dos povos indígenas brasileiros e uma população de mais de quinhentos e trinta mil (530.000), noventa por cento (90%) vive fora das terras oficialmente reconhecidas; o que impossibilita a preservação de suas tradições, em flagrante descumprimento das garantias asseguradas constitucionalmente.
Com o objetivo de regulamentar esta matéria, foi aprovada pelo Congresso Nacional Lei 14.701/2023, dispondo como marco temporal a data de promulgação do texto constitucional ora em vigor, ou seja, 05 de outubro de 1988.
A constitucionalidade desta lei, assim como a delimitação do alcance da disposição constitucional sobre o marco temporal encontra-se em debate no Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento referente às terras do conflito Raposa Serra do Sol em 2009, com o reconhecimento de demarcação contínua em favor dos povos indígenas, tendo sido retomado na análise do Recurso Extraordinário 1.017.365, em 2019 sobre as terras do povo Xoclengues, na Reserva Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina.
Tem-se, então, uma discussão que continua dividindo povos indígenas e agentes do agronegócio, assim como integrantes do Supremo e de representantes das instituições políticas que prometem render até que se chegue a uma definição sobre a precisão do que deva ser entendido como marco temporal dos povos que se encontram no território brasileiro bem antes da colonização e atualmente se encontram dispersos e necessitam retornar a suas terras para nessa poderem usufruir do bem estar e do bem viver com dignidade.
Manoel Cipriano
Bacharel em Filosofia.
REFERÊNCIAS
BRASIL(1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 18 Abr. 2025.
BRASIL(2023). Lei 14.701, de 20 de outubro de 2023. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14701.htm>. Acesso em 18 Abr. 2025.
WITIPÉDIA, a enciclopédia livre. Marco temporal das terras indígenas. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_temporal_das_terras_ind%C3%ADgenas>. Acesso em 17 Abr. 2025.
WITIPÉDIA, a enciclopédia livre. Terra indígena raposa serra do sol. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Terra_Ind%C3%ADgena_Raposa_Serra_do_Sol>. Acesso em 17 Abr. 2025.
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